QUEM SERÁ ELEITO?

terça-feira, 5 de agosto de 2008

De quem é a culpa?

Dia de férias. Está frio, são nove horas da noite. Estou em meu carro, com meus filhos,
estamos voltando do shopping. Tivemos um dia maravilhoso, fomos ao cinema,
compramos blusas de frio, depois comemos lanche e ainda brincamos no parque de
diversões. As crianças estão no banco de trás, brigando comigo porque não comprei o tênis
novo que me pediram. Mas eu prometi que assim que eu receber atenderei ao seu desejo.
Pra distraí-las, ofereço alguns chocolates que estavam em minha bolsa.

Paro no farol, vejo duas crianças. A primeira coisa que faço é verificar se os vidros do carro
estão fechados. Fico olhando para as crianças. Acho que elas devem ter a mesma idade dos
meus filhos, uns sete e nove anos. Estão de camiseta e bermuda, descalças e sujas. Fazem
malabarismos com laranjas com um sorriso estampado em suas faces. Parecem não sentir
frio. Meus filhos também ficam olhando, mas não dizem nada. Nesse momento, eu fico
com um nó na garganta. O farol abre. Vamos em frente.

Andamos um pouco e trânsito. Logo penso, que absurdo, essa hora da noite e todo mundo
fora de casa, parece que não têm o que fazer. Paro no farol de novo. Agora já sei que os
vidros estão fechados. Ligo o rádio. Ouço uma notícia triste, um menino levou um tiro de
um policial quando estava no carro com sua mãe. O menino morreu. Começo a chorar e
coloco um CD porque não quero as crianças ouçam esse tipo de notícia. Não sei o porquê, mas nesse momento lembrei daquele menino que foi arrastado num
carro pelos bandidos e da menina que foi jogada pela janela. Rezo um pai nosso e peço a
Deus que ilumine os três.

Ando um pouquinho com o carro e paro de novo. Agora duas crianças vêm com aquele
rodinho, querem lavar o meu vidro. Eu faço o sinal de que não tenho dinheiro, mas elas
insistem e começam a limpar. Fico com medo de abrir a carteira, então peço para que meus
filhos verifiquem se têm alguma moeda. Eles me dão um real, eu abro uma fresta do vidro
e entrego o dinheiro. Eles me dizem, obrigada tia, Deus lhe abençoe. Mais uma lágrima sai de meus olhos.

Sigo em frente. Estamos quase chegando em casa.
Vejo que aconteceu um acidente. O carro chocou-se contra o poste. O homem parece estar
bêbado, vejo uma mulher grávida sendo levada na ambulância. As crianças ficam agitadas,
faço perguntas do que acharam do passeio pra tentar distraí-las. Os carros não andam.

Agora vejo várias crianças no canteiro e uma mulher razoavelmente jovem. Ela grita com
as crianças que saem correndo em direção aos carros. Uma menina linda de no máximo
quatro anos encosta no meu carro. Eu dessa vez, abro o vidro por inteiro. Olho dentro dos
seus olhos verdes e ela me diz, tia, me dá um trocado. Eu fico confusa sem saber o que
fazer. Nem tenho medo de abrir a carteira, mas ao mesmo tempo me recuso em abri-la
porque sei que a quantia irá para as mãos daquela mulher. Pergunto como é o seu nome,
ela me diz Vitória. Mais um nó na garganta.
Ela me diz tia, por favor, me ajuda. Eu falo, só tenho chocolate, pode ser? Ela pergunta, só
tem um? Eu respondo que sim, ela me diz, é porque somos sete. Então decido abrir a
carteira e lhe dou dez reais. Não sei se tomei a atitude certa, mas o meu coração mandou
fazer aquilo. Ela me diz, muito obrigada tia, Deus lhe abençoe.

Chego em casa, coloco as crianças pra dormir. Deito em minha cama, mas o sono não vem.
Começo a lembrar de todas as crianças que vi naquele caminho, naquela mulher que ainda
carregava o seu bebê na barriga e naqueles que perderam suas vidas.
Fico me perguntando, por quê? Por que tanta desigualdade, tanto sofrimento? Peço
perdão. De quem é a culpa? De quem maltrata? De quem humilha? De quem despreza? De quem
finge que nada vê? Acredito que todos nós temos culpa...
Fiquei com sono. Boa noite.

Um comentário:

Porsani disse...

adorei! isso daria um curta.
sabe que teve uma época quem pensava mt nisso. Comecei a ficar neurótica. Vivemos em um contexto muito pesado psicologicamente. É difícil.

Parabéns pelo blog! Não pare de escrever. Sempre entrarei aqui.

bj